Entre os interesses do “mercado” e os da base da pirâmide social no debate sobre a reforma tributária, o ministro-banqueiro da Economia, Paulo Guedes, optou pelo… mercado, é claro. Da forma como ele negociou as alterações ao PL 2337/2021 com o deputado e relator Celso Sabino (PSDB-PA), R$ 10,7 bilhões irão escoar diretamente dos bolsos depauperados da Classe C, prevê o ex-secretário da Receita Everardo Maciel.
Ao mesmo tempo, caiu por terra a proposta do fim da isenção do Imposto de Renda sobre Fundos de Investimento Imobiliário (FII) e foi retirada a previsão de taxar recursos de brasileiros em paraísos fiscais, que Guedes defendeu apenas como “bodes na sala” a serem retirados nas negociações. Também foram retiradas regras que combatem a chamada elisão fiscal (quando contribuintes usam artifícios para escapar da tributação).
O tributarista tem se manifestado pela imprensa sobre a “facada” que os assalariados levarão. Segundo ele, o relatório preliminar apresentado por Sabino aos líderes partidários manteve o limite de R$ 40 mil de rendimentos anuais para a declaração simplificada. Pelos cálculos de Maciel, o desconto padrão de 20% era vantajoso para quem ganhava até R$ 83,7 mil por ano.
Com isso, quem tem salário entre R$ 3,3 mil e R$ 6,9 mil será obrigado a fazer a declaração completa, e acabará pagando mais imposto do que atualmente. “Essas pessoas não vão ter mais esse benefício da declaração simplificada”, disse Maciel em entrevista ao Correio Braziliense. No ano passado, Guedes falou em “granada no bolso” dos servidores, agora ele ameaça fazer o mesmo com a Classe C.
Maciel criticou ainda a redução da isenção para a tributação de dividendos de R$ 20 mil para R$ 2,5 mil. “Isso vai acabar com a micro e pequena empresa, porque vai condenar aos sócios terem uma remuneração de um salário mínimo”, alertou.
“Esse projeto é um torneio de ideias ruins”, resumiu o ex-secretário da Receita. “O curioso é que eles dizem que querem simplificar, mas, na verdade, querem acabar com a declaração simplificada, com o Simples e o lucro presumido.”
A presidenta nacional do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann, verbalizou a leitura do partido sobre essa “tungada” no bolso dos mais pobres. “Vergonhosa a posição da elite brasileira. Desfiguraram a proposta de reforma do Imposto de Renda, primeira coisa mais positiva enviada por Guedes ao Congresso. O relator, do PSDB, agradou empresários e banqueiros. E impôs perdas para classe média, popular, estados e municípios”, enumerou a deputada paranaense em seu perfil no Twitter.
Vales para trabalhadores também estão ameaçados
Por sugestão da equipe de Guedes, Sabino incluiu na proposta o fim dos incentivos fiscais ao Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), colocando em risco os benefícios dos vale-refeição e vale-alimentação. Atualmente, as empresas podem deduzir do IR o dobro das despesas com alimentação dos seus empregados.
O relator propôs ainda a revogação da desoneração de PIS-Cofins sobre medicamentos de uso contínuo. A medida poderia levar a um aumento de 10% no preço dos remédios, segundo ofício da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma).
“A proposta do atual governo é cada vez mais aproximar os trabalhadores formais dos informais. Só que ao contrário”, disse o diretor técnico do Dieese, Fausto Augusto Junior, em entrevista ao Jornal Brasil Atual, na quinta-feira (15). “No limite, vamos caminhar para ter um trabalhador formal que é muito próximo, do ponto de vista de direitos, do informal”, concluiu.
Com o fim dos incentivos ao PAT, a equipe de Guedes pretende cobrir parte das perdas com a redução das alíquotas do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) dos atuais 15% para 5% no primeiro ano e, depois, para 2,5%.
Para Fausto, a proposta de reforma deveria avançar no sentido de cobrar mais impostos dos mais ricos. Em vez disso, o governo, mais uma vez, aposta em retirar direitos dos trabalhadores para garantir mais isenções aos empresários.
A respeito da tributação sobre lucros e dividendos, que vem sendo bombardeada pelo rentismo, o diretor técnico do Dieese afirma que é a chance de se corrigir uma distorção histórica. “Desde 1996, o Brasil não cobra imposto sobre a retirada dos empresários, ou dos aplicadores, sobre os seus investimentos”, apontou.
Se a proposta de taxação de lucros e dividendos for retirada ou modificada, será mantido o caráter regressivo do sistema tributário brasileiro. Com a maior parte dos impostos incidindo sobre o consumo, os mais pobres acabam pagando mais impostos proporcionalmente. É o que Fausto chama de “lógica de tributação invertida”.
Por outro lado, estudo do economista Sergio Gobetti publicado no Estado de S. Paulo mostra que quanto mais rica for a pessoa, maior é a parcela de renda que permanece isenta de tributação. Ele identificou um grupo de três mil bilionários e milionários que possuem renda declarada de R$ 150 bilhões anuais, mas R$ 93 bilhões são isentos.
Da Redação