Os integrantes do Comitê Contra a Privatização dos Correios elaboram um calendário que prevê uma série de atos políticos na semana que antecede o aniversário da ECT, em 20 de março. A programação inclui o Dia Nacional de Mobilização Contra a Privatização, em 19 de março, e a Plenária Nacional dos Trabalhadores dos Correios Contra a Privatização, no dia seguinte.
Segundo informe da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (Fentect), as ações se intensificarão a partir da ofensiva do presidente Jair Bolsonaro para apaziguar os ânimos dos rentistas com os quais firmou um pacto eleitoral em 2018.
Na noite desta quarta (24), ele promoveu mais um espetáculo grotesco ao fazer a pé, cercado de acólitos, o trajeto entre o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional para entregar o projeto de lei que abre caminho para a privatização dos Correios.
Os deputados federais do Partido dos Trabalhadores reagiram ao gesto se manifestando no Twitter, mostrando que a proposta de Bolsonaro enfrentará muitas dificuldades na Câmara. Paulo Teixeira (SP) conclamou: “Vamos todos impedir esse absurdo: presidente leva para o Congresso Nacional um projeto de privatização dos Correios”.
“ Governo Bolsonaro ameaça desmontar país com privatização da ELETROBRÁS, CORREIOS e desvinculação de recursos do SUS e educação. Precisamos aumentar o tom das mobilizações”, afirmou Rogério Correia (MG).
Erika Kokay (DF) apontou para o absurdo da proposta. “Estamos vivenciando uma corrupção de prioridades por parte do governo Bolsonaro. A prioridade não é salvar o filho do presidente nem privatizar a Eletrobrás e os Correios. A prioridade é a vacina e o auxílio emergencial!”, acusou a deputada
Zé Ricardo (AM) observou que agências começam a ser fechadas. “Fim dos Correios. Mais desemprego à vista. O Bolsonaro enviou projeto à Câmara para privatizar os Correios, apesar da empresa estar gerando lucro há 3 anos. Muitas agências já sendo fechadas. Vai prejudicar muito o interior do AM. Mais um patrimônio do povo que Bolsonaro acaba”, lamentou o parlamentar petista.
Concessão é ato preliminar para a entrega
A estatal está na mira do ministro-banqueiro da Economia, Paulo Guedes, desde agosto de 2019, quando foi incluída com mais oito empresas na carteira do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). Matéria da revista ‘Veja’ publicada em janeiro passado afirma que a privatização se tornou uma obsessão também para o Ministro das Comunicações, Fabio Faria, que quer a todo custo concluir esse projeto ainda em 2021.
Emblematicamente, ambos acompanharam o chefe na ida ao Congresso, juntamente com o ministro-chefe da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos. Sob o pretexto de “ampliar o investimento privado no setor”, a nova proposta visa de fato, além da entrega da empresa a interesses privados, fazer com que o serviço postal universal atribuído à União seja feito por meio de contratos de concessão.
Preocupados com essa possibilidade, expressa na criação da CorreiosPar, subsidiária que administrará as empresas que prestarão serviços para a estatal, representantes da Fentect estão viajando pelo país em reuniões com os sindicatos estaduais, questionando essa reestruturação.
Segundo o secretário geral da entidade, José Rivaldo da Silva, a partir deste ano, 51% das ações dos Correios serão de subsidiárias. “Não há nenhuma garantia que essas empresas não vão entrar em ramos rentáveis da estatal, como nos serviços de encomendas”, comenta. Cerca de 45% da receita dos Correios provêm desses serviços.
Outro dos alertas feitos pela categoria é que o comércio eletrônico brasileiro tem nos Correios a principal plataforma logística para entregas de encomendas com qualidade e preços acessíveis. Uma eventual privatização, além do potencial de causar um apagão logístico no país, tende a encarecer de forma significativa o custo das entregas.
“Se privatizar, o comércio do pequeno e médio vai estar na mão de um monopólio privado, e ele não vai conseguir suportar o custo disso. Vai ter que repassar parte do lucro dele ou será engolido [no varejo]”, explicou José Rivaldo ao ‘ Brasil de Fato’.
A empresa está presente em mais de 80% dos municípios brasileiros, e a confirmação da venda pode deixar áreas periféricas e de difícil acesso, consideradas menos lucrativas, sem serviço postal.
Além das entregas de cartas e encomendas, os Correios entregam vacinas, fazem a logística das provas do Enem, entregam livros escolares e mantimentos, exportam e importam, levam informação e emitem documentos, entre outros serviços. Muitos deles não geram lucros, mas cumprem a função social da empresa de garantir o direito constitucional à prestação de serviço postal em todos os municípios brasileiros.
Lucro em 2020 pode ter chegado a R$ 1 bilhão
Em 2019, os Correios tiveram receita líquida de R$ 18,356 bilhões, com lucro líquido de R$ 102,121 milhões. Embora o balanço de 2020 ainda não tenha sido divulgado, o balanço preliminar de janeiro a setembro do ano passado foi positivo em R$ 836,5 milhões. O último trimestre, quando o faturamento dos Correios tradicionalmente aumenta por causa das encomendas relacionadas à Black Friday e ao Natal, pode ter elevado esse lucro à casa do R$ 1 bilhão.
Parlamentares e sindicalistas têm lembrado que, em um universo de 270 países, entre desenvolvidos e emergentes, apenas oito têm serviços dos Correios privatizados. Portugal e Alemanha já começam a discutir a reestatização do serviço, que decepcionou após a privatização, e a Argentina passou pelo mesmo processo no governo de Cristina Kirchner, que reestatizou o serviço após queixas da população.
Até mesmo os Estados Unidos mantêm o serviço postal, o United States Postal Service (USPS), estatizado com 600 mil trabalhadores. Lá, grandes empresas como Fedex e DHL atuam na área de encomendas, sem concorrer em outros serviços prestados pela estatal, como o pagamento do cheque do seguro-desemprego, que pode ser descontado nas agências dos correios.
“Enquanto países neoliberais que pregam a livre concorrência mantêm como estatais empresas estratégicas, o Brasil vai na contramão com Bolsonaro, que quer privatizar uma empresa que não tem nenhuma dependência financeira da União”, finaliza Emerson Marinho, secretário de comunicação da Fentect.
Em entrevistas concedidas assim que aceitou o cargo de presidente dos Correios, em junho de 2019, o general Floriano Peixoto, autointitulado um “soldado do presidente Bolsonaro“, assumiu claramente que sua missão era acelerar o processo de privatização da empresa.
No ano passado, em plena pandemia, Peixoto descumpriu os termos do Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) firmado um ano antes, cancelando 70 cláusulas trabalhistas unilateralmente, sob a alegação de que certos benefícios extrapolavam a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Em reação, milhares de trabalhadores da empresa paralisaram as atividades por 35 dias, entre agosto e setembro. Os grevistas enfrentaram a intransigência de Peixoto, que cortou até o vale-alimentação em plena pandemia, e alertaram que o desmonte dos Correios fazia parte de um roteiro que terminaria com a privatização.
“Desde que chegou à ECT, o general rompeu o diálogo com as representações de trabalhadoras e trabalhadores e atua para atacar cada dia mais os diretos e a saúde dos empregados”, criticou a Fentect em nota na ocasião. “Essa postura só visa acelerar o processo de desmonte da empresa para cumprir a missão dada a ele por Bolsonaro.”
Para a Fentect, os Correios passam por sucessivos desmontes como justificativa para a privatização. “É um sucateamento que se agravou nos últimos anos, que se junta ao enxugamento da empresa, em que fazem um plano de demissão voluntário, mas não preveem reposição por meio de concurso”, disse na ocasião o secretário-geral da entidade, José Rivaldo da Silva.
Da Redação.