Alertado sobre efeitos trágicos da pandemia, Pazuello omitiu-se, revela ‘Estadão’

Segundo técnicos do Comitê de Operações de Emergência (COE) que estiveram reunidos com o ministro interino da Saúde em 25 de maio, sem medidas de isolamento social, os efeitos da Covid-19 irão repercutir por até dois anos no país, inclusive sobre a retomada da economia. Ata da reunião foi obtida e revelada pelo ‘Estadão’ nesta quinta-feira (23). Especialista em relações entre pandemias e direito internacional, jurista Deisy Ventura vê “política de extermínio em curso”

A cruzada irresponsável do presidente Jair Bolsonaro contra a ciência – na verdade, uma guerra fratricida contra o povo -, cujos efeitos custaram a vida de 83 mil brasileiros, teve mais um nervo exposto ao mundo nesta quinta-feira (23). Reportagem do ‘Estado de S. Paulo’ revela que o ministro interino da Saúde, general Eduardo Pazuello, foi alertado em maio para as consequências da falta de intervenção federal diante da pandemia do coronavírus. Segundo ata de reunião do Comitê de Operações de Emergência (COE), obtida pelo jornal, sem medidas de isolamento social, os efeitos da Covid-19 irão repercutir por até dois anos no país, inclusive sobre a retomada da economia.

De posse da informação, Pazuello nada fez. Não se viu o ministro em cadeia de rádio e tv clamando a população para que ficasse em casa. Ao contrário, advogou em nome do relaxamento das medidas de isolamento social. Dois meses depois, os alertas do corpo técnico do Ministério de nada adiantaram: a pandemia segue descontrolada e o país acumula, nesta quinta-feira, 2.242.394 casos de Covid-19 e mais de 83 mil mortos, segundo a última atualização do consórcio de veículos de imprensa junto às Secretarias de Estaduais de Saúde. Projeções indicam que o Brasil pode ultrapassar os 100 mil óbitos nas próximas duas semanas.

“Sem intervenção, esgotamos UTIs, os picos vão aumentar descontroladamente, levando insegurança à população que vai se recolher mesmo com tudo funcionando, o que geraria um desgaste maior ou igual ao isolamento na economia”, observaram técnicos da equipe de Pazuello, no documento de reunião ocorrida em 25 de maio, pouco mais de uma semana depois de sua nomeação como interino da pasta. O comitê foi criado pela pasta em fevereiro para coordenar ações de resposta à pandemia.

Ainda segundo o ‘Estadão’, os técnicos também avaliaram a criação de um aplicativo para monitorar doentes e até dez pessoas que mantiveram contato presencial com a pessoa infectadas, a exemplo de países  que tiveram êxito no controle da doença, como Nova Zelândia, Coreia do Sul e Cuba. Fundamental para mapear de modo mais preciso a trajetória do vírus, a técnica de rastreamento, no entanto, nunca saiu do papel.

Hidroxicloroquina

As revelações do jornal deixam claro que Pazuello foi nomeado interino por Bolsonaro não para executar um plano de resposta à pandemia, mas para agradar o ocupante do Palácio do Planalto com a promoção da hidroxicloroquina, um verdadeiro presente de grego produzido pelas Forças Armadas. Exaustivamente, autoridades de saúde repetem que a droga não produz efeito positivo no tratamento de pacientes infectados pelo coronavírus. Ao contrário, alguns efeitos colaterais podem causar problemas de visão e arritmias cardíacas potencialmente fatais.

“Os brasileiros são vítimas de um presidente que se acha médico e agora deu pra receitar remédio”, criticou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “As duas principais agências de saúde dos EUA descartaram o efeito da cloroquina e por isso o Trump doou 3 milhões de doses para o Brasil. Agora os estados sofrem pressão pra usar”, lamentou Lula.

Retenção de recursos

Também não se pode dizer que as revelações do ‘Estadão’ são inteiramente surpreendentes. A pasta da Saúde manteve retidos nada menos do que R$ 27,5 bilhões, cerca de 71% da verba emergencial destinada à ações de combate à pandemia nos estados e municípios, segundo relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) obtido e divulgado pela ‘ Folha de S. Paulo’.

Há quase um mês, em 26 de junho, as bancadas do PT na Câmara e Senado já haviam acionado o TCU para que o órgão cobrasse do Ministério explicações sobre a falta de repasse dos recursos, com base em análise do Conselho Nacional de Saúde (CNS). À época, o CNS chamou atenção para a morosidade da pasta nos repasses.

Grave irresponsabilidade

Nesta quinta-feira a bancada petista no Senado voltou à carga contra a omissão governista. “Tanto as despesas feitas diretamente pelo ministério quanto aquelas realizadas por meio de transferências a estados e municípios ficaram muito aquém do prometido”, advertiu o senador Jean Paul Prates (PT-RN). “Isso é mais uma grave irresponsabilidade administrativa do governo Bolsonaro no combate à pandemia”.

Além de Bolsonaro, Pazuello também foi duramente criticado. “[O general] não tem a menor noção do que está fazendo no cargo de Ministro da Saúde”, observa o senador Humberto Costa (PT-PE). “Comanda um ministério desmoralizado num governo que trabalha ajudando o vírus. Terrível”. A ação deliberada do Ministério da Saúde de esconder dados referentes à pandemia também não passou despercebida pelo partido.

“Não há maior certificado de incompetência para um Ministério da Saúde do que a imprensa formar um consórcio de fontes com as secretarias estaduais de saúde para divulgar dados oficiais do País sobre a pandemia. Nem para organizar estatísticas, o governo federal serviu”, conclui Jean Paul.

Genocídio

Os dois casos parecem demonstrar, contudo, que não se trata apenas de incompetência. Tema de acalorado debate no país, o uso da palavra “genocídio, como uma definição do que seria uma estratégia deliberada de Bolsonaro diante da pandemia, vem crescendo entre autoridades em direito.  Recentemente, o termo foi adotado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, para referir-se à resposta do governo federal ao coronavírus.

Em entrevista à edição brasileira do jornal ‘ El País’, a jurista Deisy Ventura, especialista na relação entre pandemias e o direito internacional, afirma que “há indícios significativos para que autoridades brasileiras, entre elas o presidente, sejam investigadas por genocídio”. Para a jurista, há uma política de extermínio sendo executada.

Ela considera que o debate em torno do assunto deve ser feito com a serenidade e profundidade necessárias para evitar definições simplistas que levam ao negacionismo. “Genocídio não é só colocar pessoas num paredão (ou numa câmara de gás) e fuzilar as pessoas. O genocídio se dá também ao suprimir as condições necessárias à vida e às condições à saúde”, advertiu Ventura.

Segundo a jurista, a decisão do presidente de, deliberadamente, confundir a população com notícias falsas, o negacionismo que se manifesta na proibição da obrigatoriedade do uso de máscaras em lugares fechados, o veto à garantia ao acesso à água potável por povos indígenas, a sugestão para a população invadir leitos de hospitais para ver se estão ocupados, entre outras atitudes, corroboram uma clara estratégia de sabotagem ao combate à doença.

Extermínio sob cortina de fumaça

“Vejo aqui todos os elementos configurados: ataques sistemáticos e a intenção de sujeitar uma parte importante da população brasileira a condições de vida que podem implicar a sua destruição”, apontou Ventura, na entrevista. Ela afirmou que não se trata apenas de acompanhar as mentiras e distorções de Bolsonaro pelas mídias sociais e imprensa mas de compreender o que há por trás da “cortina de fumaça”, em publicações como o Diário Oficial, por exemplo.

“Quando a gente vai lá ver, vai somando evidências claríssimas dessa intencionalidade”, explicou Ventura. “Não são apenas as falas do presidente, mas uma sucessão de atos que demonstram uma intenção clara e um ataque sistemático às tentativas de controle da propagação da doença. Por isso, em minha opinião, existe uma política de extermínio em curso”, alertou a jurista, para quem Bolsonaro cometeu crimes contra a humanidade.

Da Redação, com informações de ‘El Pais’

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